segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Querer

A vida ficou desinteressante. Não sei se foi porque ela viu de tudo, ou se havia visto muito pouco. Ela apenas parou. Dois anos parada, enquanto a vida seguia em um lapso. Parou-se as séries, os desejos, os planos. Parou toda e qualquer vontade.
Em todo canto havia vestígios daquilo que ela deixara para trás. Se tentasse, cada pedaço de papel, cada favorito salvo no computador e cada lista de coisas a fazer mostravam que ela já não estava ali.
Até mesmo os livros na prateleira, os quais ela tanto quis ler um dia, continuavam acumulando pó. No fundo, ela ainda queria ler, um dia. Mas não agora.
Fora querer encontrar a família e ficar com o namorado, todo o resto era apenas necessidade. Precisava comer, então comia. Precisava de dinheiro para pagar as contas, então foi trabalhar. Precisava dormir em algum lugar, então continuou a viver naquela casa.
Ao mesmo tempo, sabia que tudo aquilo não era desejo. Era necessidade. Os supostos desejos eram o mínimo para viver. Era o que não podia abandonar, se não, não viveria. Embora já não estivesse vivendo, este deixar de viver ainda não a interessava. O que ela desejava mesmo era sentir de novo uma vontade genuína.
Nestes dois anos, não sei ao certo se ela esbarrou com a morte, mas sei que ela encontrou a dor. Ao conhecê-la, soube o óbvio: não iria aceitá-la. E, embora ela soubesse que não se interessava nas oportunidades que a vida podia oferecê-la, sabia também que morrer não era o seu desejo.
No fundo, este era o sinal de esperança que ela precisava. O não querer morrer era algo. Era um sinal que acendia e apagava, mostrava-se mais forte em determinados dias e ausente em outros. Ela queria querer. Apenas não conseguia.
Até mesmo a dor que a afastou de tudo e motivara todo o vazio estava cada dia mais ausente. Só restava ela, num vazio só preenchido com suas dores de corpo e mente a cada dia mais constantes. Sobrava a fraqueza, e esta desde então ficara ao seu lado. Aliás, quando podia, culpava também a fraqueza por tal situação. Acreditava que se ela passasse, o resto passaria.
O vazio fazia também com que a completude alheia tornasse incômoda. Os outros na rua a desagradavam, os sonhos alheios lhe pareciam supérfluos, o desejo alheio por liberdade lhe parecia a maior bobeira que poderia escutar.
Tudo porque um dia ela provou a dor dos sonhos realizados e o vazio da liberdade.

Nenhum comentário: